Lúcia Hiratsuka nasceu em Duartina e mora em São Paulo desde os 16 anos. Depois de se formar em Artes Plásticas, pesquisou sobre os livros ilustrados na Universidade de Educação de Fukuoka no Japão (1988-89). Escreve e ilustra os seus livros, sendo que uma parte do trabalho é voltada para a pesquisa de mitos e lendas do Japão. Muitas dessas histórias ouvia na infância pela voz da avó.
Eu - Jean Carlo tive muita alegria de estar pessoalmente com ela na tarde do dia 14/11/2012, para celebrarmos o III PROJETO "VOCÊ É O AUTOR". Batemos um longo papo e ainda ela fez uma linda ilustração "bambu" usando a técnica sumiê.

Todas as ilustrações de suas obras são utilizadas a técnica SIMIÊ - pintura milenar chinesa.
* A palavra sumie significa “pintura a tinta” em português e consiste numa técnica de pintura em preto-e-branco originada em mosteiros budistas da China durante a dinastia Sung (960-1274). Adotando esses princípios, o sumiê exerce uma dicotomia interessante. Preto-e-branco, concreto e abstrato, água e terra, controle e espontaneidade são manifestações presentes nessa arte, que, a partir do século XV, passou a retratar também pássaros, flores e paisagens.

Autora de Muli (Ed. DCL) e Histórias Tecidas em Seda (Cortez Editora), Lúcia Hiratsuka trabalha e conversa no ritmo da beleza que é seu trabalho: cheio de simplicidade e delicadeza.
A menina que quando criança gostava de ler ou ouvir histórias que me provocavam medo, tristeza, riso, “ou simplesmente despertassem uma curiosidade ou encantamento”, tornou-se uma premiada e renomada escritora e ilustradora de livros infantis. Das artes plásticas ela foi feliz para o fazer histórias, após conhecer a ilustradora Eva Furnari.
Veja o que ela conta mais sobre si mesma e o lançamento de Muli, uma história linda com monstros que não são nada assustadores, mas que nos dão muito o que pensar.
CRESCER: Você teve a ideia de Muli há algum tempo, não foi? Como aconteceu?
Lúcia Hiratsuka: Faz mais de cinco anos, acho que a primeira imagem que me veio foi a de um monstro engolindo uma semente. Uma imagem puxa outra. Então, veio a imagem de uma planta nascendo na barriga do monstrinho. No começo esse personagem era muito tímido, vivia querendo se esconder porque não tinha a barriga peluda como os outros... foi assim o ponto de partida. Depois, o Muli já não era tão tímido tanto quanto eu pensava.
C: Sabemos que a literatura infantil é algo que não precisa ter uma função - muito menos pedagógica. Mas qual foi a intenção que você tinha com o livro, ou o que você achou que iria provocar nos leitores quando viu ele pronto, em suas mãos?
L. H.: Quando a história estava mais ou menos pronta, eu senti que ela podia ser bem lúdica e poética. E a ilustração ia ajudar nisso. E me diverti desenhando o monstrinho bravo, triste, espantado, ele usando chinelo, virando cambalhota, o pai lendo jornal e tomando café, a irmã com fita, o cenário de pedra e areia, as moradias ... Quero que os leitores se divirtam e ficaria mais feliz ainda se conseguir instigar a imaginação das crianças, o que não é difícil, pois elas são muito criativas por natureza. Então, vai um desafio — o que mais esses monstrinhos aprontam no dia a dia?
C.: As crianças precisam falar de seus medos? A literatura é uma maneira?
L. H.: Acredito que, tanto para a criança, quanto para o adulto, falar de medo é uma forma de enfrentá-los. O medo que não tem uma cara é o mais assustador. Por isso o monstro sempre esteve presente desde a narrativa oral, em todas as culturas. Quando eu era criança gostava de ler ou ouvir histórias que me provocavam medo, tristeza, riso, ou simplesmente despertassem uma curiosidade ou encantamento. Acho que o livro pode ser uma maneira de vivenciar essas emoções. No caso do MULI, o livro não é para causar medo, mas é de um monstrinho que tem os seus medos, bem parecido com a gente.
C.: Qual é o seu processo de trabalho (todos nós, leitores, sempre temos esta curiosidade, não?). Você ilustra e escreve ao mesmo tempo?
L. H.: Houve época em que eu procurava histórias. Quanto mais eu queria uma história extraordinária, parecia que tudo já tinha sido contado. Aos poucos percebi que as histórias estão muito perto da gente. Comecei a encontrá-los dentro de mim, nos meus sentimentos, nos meus encantos, espantos, dúvidas, nas minhas brincadeiras de infância, ou num episódio contado por minha família. Coisas simples, mas que se transformam e viram uma história bacana. Não publico tudo o que escrevo, existem textos que ficam guardados para sempre.
Em geral, eu escrevo primeiro e depois ilustro. E, na hora de ilustrar, o texto vai tomando o formato final. Se consigo mostrar uma cena com o desenho, posso até cortar o texto, ou mudar. Isso é o mais gostoso, ficar jogando com texto e desenho. Mas tenho histórias contadas só com imagens e outros em que o texto é mais independente.
C.: Hoje a oferta de livros infantis é extensa. Qual o maior desafio de criar e assinar um bom livro para crianças?
L. H.: Para o autor, antes de tudo, acho importante estudar muito. Não publicar tudo, selecionar, tentar amadurecer devagar. E encontrar o seu melhor. A nossa vivência é única, como uma impressão digital. Isso não significa contar a sua vida. Pode ser total ficção. Mas ser verdadeiro.
C.: Quem ou que tipo de arte mais inspira você?
L. H.: Nesses últimos tempos, gosto de olhar desenhos em grafite. E eu tenho me inspirado muito no sumiê (uma técnica japonesa), nas pinceladas, na simplicidade e naturalidade.
C.: Você pode contar um pouco sobre sua trajetória? Desde quando publica livros para crianças? Quem nasceu primeiro: a ilustradora ou a escritora?
L. H.: Eu era recém formada em Artes Plásticas quando conheci a Eva Furnari. E descobri que eu poderia juntar o que mais gostava, desenhar e inventar histórias. Era o meu desejo desde criança, vivia rabiscando no chão do quintal ou na tulha onde meu pai espalhava café. Para conseguir o meu primeiro trabalho de ilustração, escrevi e ilustrei uma história, montei um livro e foi aceito por uma editora.
C.: Quando isso aconteceu?
L. H.: Esse livro não está mais em catálogo, mas foi importante para começar, aconteceu mais ou menos em 1984. Depois vieram alguns outros livros, mas continuei estudando — pintura, gravura, desenho, texto. Em 1988 fui para o Japão estudar sobre livros ilustrados no Japão. Fiquei um ano, voltei para o Brasil e lancei vários livros, alguns são recontos de lendas japonesas que eu ouvia da minha avó. Outros são de ficção. Ganhei alguns prêmios importantes e participei de muitas exposições, continuo aprendendo sempre e quero trabalhar com livros sempre.
C.: E para o futuro? Quais são as novidades que você está "aprontando" para a Bienal?
L. H.: Pretendo publicar várias histórias inspiradas na minha infância que passei num sítio, no interior de São Paulo. São histórias que tem como ponto de partida o imaginário da criança, as brincadeiras, as descobertas simples num quintal, no jardim, ou então os primeiros conflitos com a família, com amigos, com bichos... essas coisas que acontecem com todo mundo. Acho que mais dois livros saem para a Bienal.