"A Dama de Ferro" é uma reflexão sobre a existência humana. Deveria ser visto, obrigatoriamente, pelos políticos, a fim de perceberem que o poder que ostentam é fugaz e que deveriam exercê-lo na firmeza do engrandecimento de seu país e não dos próprios bolsos.
O que chama a atenção em "A Dama de Ferro" é o tratamento simplificado de dois extremos da existência humana - a glória e a dor. É aí que se percebe o brilhantismo do roteiro de Abi Morgan, ao reconstruir, simultaneamente, duas histórias: a de uma líder por natureza e a de um período turbulento do país por ela governado.
Morgan coloca o presente como base da reconstrução dos processos históricos. O presente vivenciado por Margaret Thatcher (Meryl Streep, em atuação memorável), uma anônima nos locais públicos e uma solitária no interior de sua casa - dimensionado como um enclausuramento por escolha pessoal -, cuja convivência maior é com os fantasmas de sua existência. Um presente doloroso para Thatcher em sua luta com a consciência e a demência, cuja definição ela mesma expressa: "Costumava ser a tentativa de fazer alguma coisa. Agora, trata-se de tentar ser alguém".
É nessa luta para manter a identidade que Thatcher debate-se com a sua condição de mulher com 86 anos obrigada a conviver com fantasmas. O corpo fragilizado pela velhice e a mente sob as ordens da doença que a faz viver entre tormentos. Lampejos de um e de outro, glória e dor, consciência e demência. É o corpo de Thatcher uma prisão para uma mente em luta para se libertar de si mesma e de seus fantasmas. Os fantasmas se expressam na presença espiritual do falecido marido, Dennis (um ótimo Jim Broadbent), e nas recordações entrecortadas. Dennis, em espírito, está lá cotidianamente para continuar a exercer o trabalho o qual fez desde que a conheceu: estar a seu lado, amparando-a
Na construção cinematográfica da história da mulher que teve nas mãos o poder de governar uma nação, se sobressai o seu pensamento político-liberal baseado na "proteção ao 1%", ressaltando na sequência em que ela defende, junto a partidários e oposicionistas, a unificação do imposto - o qual será pago pelo trabalho de 99% das formigas da ordem social do neoliberalismo. Thatcher pensava que esse dinheiro retornaria via emprego e desenvolvimento, mas o 1% apenas aguardava o momento de praticar o "quanto mais tenho mais quero". As crises econômicas que estouram quase anualmente são formalizadas por essa classe para a qual "o dinheiro nunca dorme".
Esse diálogo significativo ocorrido na Câmara dos Comuns surge como um dos grandes momentos de "A Dama de Ferro" e expressa o pensamento, a glória, a dor e a desgraça de Thatcher. Eis a história política da mulher poderosa cujo "não" impositivo e temido ouvido pela Inglaterra e o planeta durante 11 anos e que acabou derrubada por políticos populistas, sindicatos e o corporativismo. Há quem relacione as crises econômicas atuais como culpa de Thatcher por ter desregulamentado os bancos e criado os tubarões dos bônus bancários, entre outros do 1%. Há ainda os que a lembram como estadista por ter dado à Inglaterra a atual estabilidade econômica. O filme capta a ascensão de Margaret ao poder, a briga com os sindicatos, a imposição de um programa de privatização, o enfrentamento da oposição, o revide do Exército Republicano Irlandês, o IRA, e os atentados dentro da Inglaterra, a guerra com a Argentina pelas ilhas Malvinas, e a resistência a unificação europeia.
Mas, reside na história da mulher que foi poderosa e hoje vive reclusa a preponderância do filme. Passado e presente se mesclam para compor o quadro histórico da vida da baronesa Margaret Thatcher e promover reflexão sobre como nós construímos nossa própria história. "A Dama de Ferro" adentra ao enclausuramento de Thatcher, revela a sua velhice como o reduto das memórias e as extrai como processo da história. A grandeza desse filme está no olhar piedosamente humano através do qual Phyllida Lloyd e Abi Morgan mostram a luta dessa mulher para se manter lúcida.
Doloroso e reflexivo, o longa resgata a história da personagem rígida que quebrou as barreiras da política abrindo uma porta para as mulheres. Não por menos, Ronald Reagan, então presidente dos EUA e seu aliado, a definiu como "a mulher com os olhos de Calígula e lábios
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